domingo, 7 de janeiro de 2007

Desabafo

Há dias em que a vida nos faz pensar. As voltas que ela dá. Por vezes pensamos que ela não se vai alterar muito mais, que tudo vai correr mais ou menos da mesma maneira, mas mesmo nessas alturas a vida faz das suas, e arranja maneira de tirar o chão debaixo dos pés. A queda depois depende.
O novo ano é sempre uma boa maneira de pormos a vida em prespectiva. Entrar no novo ano esquecendo o passado, corrigindo os erros, numa noite (ou nas últimas noites) podes ser quem tu queres. Finalmente ter arranjado coragem para convidar a(o) rapariga(rapaz) para sair, beijado aquela pessoa especial na contagem decrescente da meia-noite, ou mesmo decidido levar a tua vida por um rumo diferente. As resoluções de ano novo são isso mesmo, ideias, projectos, que são para realizar durante o ano que se avizinha.
Mas serão estas resoluções tomadas com consciência, ou são fruto do sabor do momento? A euforia que se vive nesta época, ninguém se preocupa muito com os estudos ou com o trabalho, será que chega ao ponto de nos toldar as ideias? De nos fazer crer que queremos uma coisa quando afinal estamos só sob o efeito alucinante da passagem do ano, uma noite louca, onde queremos é aproveitar ao máximo, que se lixe o depois? Poderemos nós, durante essa noite, perder o juízo e a razão, deitarmos por terra tudo o que lutámos durante o ano que passou, por uma noite de loucura? Ou será que nessa noite tudo se torna mais claro, mais nítido, tudo faz sentido, uma vez durante o ano inteiro onde realmente baixamos a guarda chamada consciência e fazemos realmente o que o nosso coração deseja? E depois, com quanta força é que defendemos o que decidimos nessa noite, durante o resto do ano? O que sentimos nessa noite é mesmo válido? Decidimos mesmo mudar? Depois da bebedeira, depois da festa, quando tudo volta à normalidade, será que realmente queremos viver as nossas resoluções?
Estou a falar de coisas sérias, eu desejei que o Benfica ganhasse a Taça de Portugal, mas se não acontecer não há problema (mentira, há um grande problema... Mas é suportável). Mas e resoluções, assim, em grande? Mudanças de vida, de hábito, amorosas, académicas?

Durante uma noite (ou durante os últimos dias) as pessoas têm tendência a fazerem loucuras. Nesses dias ganha-se coragem. Mas e depois? Não será apenas um querer prolongar essa sensação de liberdade, em vez de uma convicção?

Mas, como em tudo, há o revesso da moeda.
Há quem decida mudar porque atingiu um limiar, um limite. O não querer entrar no novo ano com assuntos pendentes, com pesos em cima, com situações com as quais não vive bem. Há relações que começam na passagem de ano, e há outras que acabam.
E eu pergunto-me, até que ponto é que podemos ser outra pessoa para agradar a quem amamos? Esconder o nosso verdadeiro eu, para fazer alguém feliz? Assim não nos estaremos a fazer infelizes?
Cheguei à conclusão que o amor é estúpido quando nos faz deixar de pensar em nós para pensarmos apenas na outra pessoa. Dizem que basta que a outra pessoa esteja bem e fazê-a feliz para nós estarmos também. MENTIRA!
Isso é simplesmente acomodar, deixar andar. Não me venham dizer que é por amor, amor não é. Amar é sermos transparentes, é deixar cair os muros e as barreiras, é sermos nós sem medo. Como é que podemos amar outra pessoa se não nos amamos a nós próprios? Como é que a outra pessoa nos pode amar? Se o outro não gosta de quem somos, nós, verdadeiros, com todos os defeitos, então é porque não vale a pena.
Isto soa a anúncios de televisão a leite, a bela da filosofia do "Se eu não gostar de mim, quem gostará?", mas é mesmo verdade. Senão pensem, acabamos por não poder partilhar a nossa vida porque a outra pessoa não nos conhece verdadeiramente. Entramos num círculo, de mentiras, de stresse, arranjar desculpas, ficar sem tema de conversa, queremos mais estar com outras pessoas com quem somos realmente verdadeiros e que gostam de nós, do que com a pessoa com quem, na teoria (porque na prática pode ser outra história..), deveriamos querer estar! Não é uma questão de ter feedback ou baixa auto-estima, mas sim por estarmos à vontade, é o nosso terreno, somos nós e eles conhecem-nos assim. E é bom! Uma relação não se sustenta com uma química ou uma física entre duas pessoas, tem que haver um conhecimento envolvido das duas partes, partilha! Uma relação unilateral onde tudo se dá e nada se recebe, onde só nós é que fazemos o esforço para funcionar, não é sustentável por muito tempo! Não é egoísmo querer receber algo em troca, o conceito é esse mesmo, dar e receber. Não se dá com esse intuito, lógico, poque se vai receber carinho, afecto, respeito, e toda essas coisas boas, que depois compensam todo o esforço que se tem numa relação (e não me venham dizer que não há esforço nenhum, haver há!, é voluntário porque se gosta, mas não deixa de haver...).
Mas se só recebemos se formamos outra personalidade, porque simplesmente se formos nós próprios a coisa não resulta, e se o fazemos para não termos problemas, para tentar que a relação resulte, acabamos por receber muito menos (muuuuuuiiiito menos!) do que damos. E aí deixa de compensar o esforço, porque os problemas apareçem na mesma. O desgaste é enorme, dá cabo de nós. O que deveria ser algo bom, um escape, um oásis no meio dos problemas com os pais, com a faculdade, com o trabalho, etc, passa a ser também um problema, mais um, senão aquele que nos dá maiores dores de cabeça (e se for um gajo coitado, porque as mulheres conseguem ser chatinhas chatinhas chatinhas...). E foi o que aconteceu. Uma coisa é lutar para que resulte, outra é adiar o que já sabemos.

Mas se há uma coisa que eu também aprendi com o passar dos anos e com a experiência, é que por muito chatos que sejamos (believe me, I should know), por muitos defeitos, por muito que achemos que valia a pena sermos outra pessoa, que assim podiamos ser felizes, há sempre alguém que nos prefere como realmente somos. Temos muito mais valor. Porque as pessoas não são perfeitas, não é tudo um mar de rosas sem espinhos. A piada está em nos picarmos de vez em quando nesses espinhos, e vermos a habilidade que o outro tem em nos tratar as feridas.

Ao A.

2 comentários:

Anónimo disse...

não há grande solução quando a nossa personalidade não se interliga suficientemente bem com outra pessoa: quando essa personalidade não vinga no mundo de alguém, tentamos mudá-la, tentamos moldá-la de modo a que se encaixe perfeitamente. É legítimo. Não queremos que essa pessoa fuja, seria perder demasiado. Mas surge o grande problema da passividade: fazer alguém gostar de nós mudando-nos a nós próprios pode ser no mínimo penoso, porque no fim ao cabo a escolha é sempre do outro. Não vale a pena? Pode valer, se a mudança até for positiva..

E o segredo para sair do ciclo vicioso é mesmo o que disseste: não tentar ser outra pessoa, algo que só pode acontecer se houver de início uma identidade.

Com uma identidade e auto-estima suficiente (sim, depende da auto-estima), podemos reverter completamente o rumo dos acontecimentos e deixar de depender emocionalmente de quem dependíamos inicialmente. Passamos a poder ser emocionalmente livres.

A chave é mesmo essa: ter identidade marcada, ter auto-estima e assim se terão mais certezas do que dúvidas, mais clareza do que ambiguidades.

Sofia Paixão disse...

A continuar assim, qualquer dia o pessoal começa a pensar que eu é que estudo no Técnico e que a outra saíu de direito e foi para filosofia. Vou ali escrever um post profundo e já volto.