segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

É para isto que serve o retrovisor

Na sexta feira ia no Metro a caminho do escritório, na minha rotina diária da última metade do ano, quando entraram na estação da Cidade Universitária duas miúdas com um código civil novo nos braços.
Caloiras da FDL, pensei. Códigos naquela zona de Lisboa só podem vir da Clássica e estes ainda tinham capas de aspecto luzidio. Ao fim de um ano o brilho começa a diminuir, os post its a aumentar, a lombada a estalar. No fim do curso já contamos com 3 na prateleira.
"Quando me licenciar, vou mandar encadernar o meu com capa rija", dizia o Rogério em Julho, na última época de exames. "Vale uma licenciatura este código!"
Lembrei-me, como se tivesse sido ontem, de quando fui comprar o meu, com o Ricardo à Almedina do Saldanha, dias depois de saber que tinha entrado na FDL. Recusei o saco porque o quis levar na mão. "Queres é exibir que agora estudas Direito", disse ele para me picar. Pois queria. E que orgulho senti durante todo o caminho para casa, com o meu novo código civil nos braços, repleto de palavras que eu nunca tinha lido em mais lado nenhum.
Mas voltando ao metro, as ditas caloiras sentaram-se à minha frente e reparei que traziam também o livro do Prof. Oliveira Ascensão, o recomendado para a cadeira de Introdução ao Estudo do Direito.
Perguntei-me divertida se seria a edição refundida. O que nós nos riamos por aquela edição do nosso ano ser "refundida". O que quer que isso quisesse dizer.
Alheias aos meus pensamentos, as duas miúdas debatiam o teste que tinham feito e avançavam prognósticos para o exame já marcado para Janeiro. Eu ainda sou do tempo em que os testes de Dezembro e Janeiro eram pouco importantes, na medida em que os exames só chegavam em Junho. Como também ainda sou do tempo em que Teoria Geral do Direito Civil era leccionada no segundo ano. Coitados dos caloiros que têm de levar já com aquele, que para muitos, é o cadeirão do curso.
Mas lá continuavam elas a debitar a ladainha que haviam decorado do que é uma norma, das fontes de direito, o Costume como uma prática reiterada com convicção de obrigatoriedade. Não há jurista que não se lembre disto.
E de repente lembrei-me do meu primeiro teste de Introdução, que coincidiu ser também o primeiro que fiz na Faculdade. Tive 14 e achei que ia ser assim o curso inteiro. Isto afinal faz-se com uma perna às costas, pensava eu, habituada a dezoitos no Secundário. Não foi e não fiz. Na altura, li todas as páginas que saiam duas vezes, deviam rondar as 150 (foi provavelmente a única vez que tive de estudar menos de 500 páginas de uma vez) e fiz resumos à terceira leitura. Achei que ia ser assim o curso inteiro e também não foi. Naquela altura ainda estudávamos na sala de estudo, eu, a Patrícia Penaforte, o Berhan, o Bernardino, a Vanessa, a Teresa e a Andreia. Também achei que ia ser assim o curso inteiro e mais uma vez não foi.
Os anos passam, as turmas mudam, a matéria aumenta, o tempo diminui, os lugares e os hábitos vão sofrendo alterações. Cinco anos parecia imenso e passou a correr.
Cheguei finalmente a Picoas e ao levantar-me para sair, deitei um último olhar às duas miúdas de calças de ganga e camisola de gola alta colorida, com os códigos civis na mão.
Olhei para o meu reflexo na porta do metro que entrava agora na estação e a única coisa que reconheci em mim foi o fio que trazia ao pescoço. Era da minha mãe, foi oferecido por um colega dela por altura dos anos, numa viagem que fez a Barcelona. A miúda que usava calças de ganga e camisolas de gola alta coloridas foi substituída por uma de camisa, calças de fato e saltos altos. Ironia é o facto do cabelo estar exactamente do mesmo tamanho de como o usava no primeiro ano, depois de me habituar o resto do curso inteiro a mante-lo comprido.
Saí do metro e chegando à rua, passando à porta do Picoas Plaza, fui obrigada a atravessar para o outro passeio devido às obras, não quisesse eu encher os sapatos de lama. No meu primeiro ano, quando vinha estudar para o Picoas Plaza com a Vanessa (será que estudámos lá Introdução?) tenho a certeza que se houvesse obras, eu e os meus ténis continuaríamos descontraidamente em frente.
Mas a vida obriga a desvios, abre obras a meio caminho para destruir estradas e construir outras. Chama-se crescer.
E há que ir contornando a sinalização, respeitando os avisos, sempre com o olhos no horizonte.
Mesmo que isso implique dar uma volta maior de saltos altos.
As miúdas sairam ou no Marquês ou no Rato, com os seus sonhos e terão as suas próprias experiências. Para mim, já passava da hora de ir trabalhar.

4 comentários:

Pipoca disse...

Gostei muito muito!

Patricia disse...

é amiga... e será que as caloiras de direito sonham sequer que dentro de 5 anos são elas que olham para o passado com uma nostalgia de quem recorda os melhores anos da vida??? nem lhes passa pela cabeça... se passasse aproveitariam melhor os ténis, as calças de ganga e as tardes de risota numa qq esplanada....

Anónimo disse...

Que lindo, so eu tenho direito a apelido, tirem as conclusoes que quiserem...nao sei para que estudaste tanto, acabaste por fazer a cadeira c uma explicação de 10 m...nem o Menezes!(não mesmo, ainda te batia por nao teres lindo a "breve" introduçao historica...)

Sofia Paixão disse...

É para ninguém te confundir! LOL E a minha oral então, até o Ascensão deve ter tido um aperto no peito! LOOOL Pumba toma lá um 12 e feliz ano novo!