sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Fins

Ontem recebi com tristeza a notícia de que uma amiga se encontra a sofrer.
E percebi que, por vezes, para nos sentirmos identificados, não precisamos de partilhar um grande pote de intimidade com o amigo em questão. Há sofrimentos transversais, cujas recordações nos arrepiam e fazem latejar aquela cicatriz antiga. Situações que uma pessoa vive e automaticamente nos incluem num grupo. Devia existir uma rede de apoio, género A.A. onde quem se vê deparado com situações semelhantes pudesse partilhar: "Olá, eu sou a Sofia e esta é a minha história".
E de repente viajamos com essa nossa amiga até àquela sala que conhecemos tão bem, escura e fria, atafulhada de fotografias pelo chão, retroprojectores a rodar filmes antigos a preto e branco, lenços de papel e pouca esperança. Tristeza e solidão. Muita solidão.
E damos graças ao tempo, que mais cedo ou mais tarde (na maior parte das vezes tarde), faz o seu papel e nos ajuda a abrir uma janela e depois a porta da saída.
De repente dei por mim a pensar que espero ter deixado a sala arrumada, limpa, bem guarnecida de almofadas e lenços. Vivi nessa sala durante alguns anos, mas saí. "Todos nós precisamos de um exemplo", disse-lhe eu ontem. Eu apresento-me como uma hipótese e este é o meu testemunho de esperança que não deixei pendurado na parede à saída. "É possível!"
Demora o tempo que for preciso. A sala está livre para ti, não se importa com o que dizes, com o que sentes, podes partir e sujar.
Mas quando saires, porque vais sair, arruma tudo. Para que a próxima colega do grupo que precisar, encontre este porto de abrigo da melhor maneira.

2 comentários:

Anónimo disse...

A grande questão é saber se todas as pessoas querem mesmo sair dessa sala...Porque há muitas que teimam em mostrar ao mundo (e escrevo mundo com "m" pequeno, porque se trata de gente pequenina)que o seu sofrimento é perene e que arrastam a grilheta da tirsteza para onde quer que vão.

Sofia Paixão disse...

Querido anónimo, não acredito nisso. Não consigo conceber que alguém goste de sofrer, pelo simples prazer de... sofrer!
Pode é acontecer uma de duas coisas: a pessoa ainda não se ter verdadeiramente apercebido que não está bem ou ter perdido a esperança.
A primeira parece parva, mas é mais frequente que se julga. Há uma linha que se transpõe um dia, que funciona como um choque de realidade, em que a pessoa se apercebe que não está a viver. E aí toma consciência de que tem de mudar. Mas até chegar a essa linha é uma viagem descendente, totalmente camuflada, pois não se tem noção de que se está a descer. É preciso aterrar, muitas vezes de cara e sem rede, para se conseguir levantar e trepar por ali a cima. A sala serve para isso. Para sarar as feridas e construir escadas. E serve também para reganhar esperança.
Pessoas como as que refere, julgo terem problemas diferentes, que passa talvez por uma necessidade de aceitação, na medida em que precisam de estar no spotlight e por isso arrastam essa grilhete de que fala.
Porque sofrer mesmo a sério, doi demasiado para se querer prolongar ad eternum. Já basta o tempo que demora a passar, que infelizmente, na maioria dos casos, não é pouco.
Obrigada por ler :)