sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Perdoar

Quando alguém nos magoa, a maior parte de nós considera que o passo a seguir é tentar esquecer.
Tentar apaziguar a dor, enfia-la dentro de um saquinho com uma data de pedras e deitá-la ao mar para ver se afunda e o coração alivia. Porque a dor corroí-nos as entranhas, tira-nos o equilíbrio e cega-nos de maneira que não conseguimos ver as coisas boas da vida, que se cruzam connosco todos os dias.
Há uns tempos atrás percebi que esse mecanismo de ultrapassagem das desilusões é rasteiro.
Um slipery-slow como dizem os americanos.
É muito fácil deixarmo-nos enganar por ele, pela face convidativa que ele transmite de que tudo fica encerrado lá longe, não se tem de lidar, não se tem de enfrentar, acabou.
Mas a verdade, é que as coisas só se ultrapassam se olhadas de frente e mais que esquecer, o que efectivamente encerra os assuntos é o perdão.
Perdoar é a nossa maior virtude.
Porque esquecer nunca se esquece verdadeiramente.
Mas perdoar é a maior virtude que o homem possui (se a souber utilizar), uma vez que tem o dom de transformar a memória (o maior handicap do homem) em páginas leves e irrelevantes do livro da nossa vida.
Mas exactamente por ser uma virtude, é de difícil alcance. Se fosse fácil não lhe seria dado tanta importância e valor. Chamam-lhe acto altruísta, mas quem vê altruísmo nisto, quase como uma concessão que se dá ao outro é porque olha de uma perspectiva errada.
O perdão é dos actos mais egoístas de todos. É egoísta no sentido em que decidimos travar o carro dos nossos sentimentos e inverter o sentido da marcha. Deixo de me afastar de ti e volto para ti. Ou de outra maneira, deixo de chocar contigo e volto a acompanhar-te lado a lado. E assim os eventos deixam de mexer connosco, a mágoa desaparece, a fúria esvai-se e a alma fica mais leve.
É egoísta porque transmite-nos maior bem estar que a dor provocada pela desilusão. E quem considera que a resignação e o esquecimento é que trazem os maiores benefícios está mais uma vez redondamente enganado. Quem perdoa pensa mais em si, no seu bem estar que no do outro. Porque consome mais energia não perdoar.
Obviamente isto só é verdade nos casos em que se estima ou estimou quem nos magoou e nos casos em que o objectivo é apaziguar uma actual relação crispada, que outrora foi serena. Nos outros casos não se aplica porque simplesmente ninguém quer saber de ninguém, é cá se fazem cá se pagam e siga a dança.
Mas voltando ao case-study: perdoar é uma virtude egoísta, no sentido em que nos poupa energia.
Em relação à outra parte pouco ou nada acresce, na medida em que o acto não desaparece, não nos ficam eternamente gratos pelo acto do perdão e uns dias depois tudo quase como se desvanece nas areias do tempo.
Ora tudo isto parece muito bonito, mas a dificuldade da virtude, o verdadeiro busillis, está no facto de que nem tudo é perdoável. E há que aceitar que estamos condenados a viver para sempre atormentados por certos actos praticados por certas pessoas, que simplesmente não conseguimos perdoar. E a desvantagem é somente nossa, na medida em que a vida dos outros corre exactamente da mesma maneira.
Leia-se que a impossibilidade de perdoar anda de braço dado com a inércia dos sujeitos candidatos ao perdão. Quem nada faz pouco consegue mudar. E o alvará do perdão fica permanentemente indeferido e a entidade que o passa fica para sempre com aquilo atravessado como um unfinished bussiness.Um - zero ganha quem feriu.
Mas pior são mesmo os casos em que há realmente acções em prol da conquista do perdão mas mesmo assim não há maneira de travar o carro. Aí o sofrimento é dividido, o resultado é um-um e um empate nos assuntos de corações desfeitos é sempre o pior resultado. Sofre quem não consegue perdoar, sofre quem não consegue o perdão.
Dizem que um desgosto partilhado é meio desgosto, mas nesse caso a partilha tem de ser por um terceiro, alguém que nos ampare a queda. Um desgosto partilhado com o alvo do desgosto dá dois e é um aumento de 100% de infelicidade no mundo. E para gente triste para basta a que existe.
Tantos anos depois começo a achar que não lhe consigo perdoar.
Resta saber se o sentimento vai ser partilhado ou não.

1 comentário:

Patricia disse...

o perdão é das poucas coisas que só se consegue com o tempo... quando o tempo nos permite relevar e ver tudo com uma nova perspectiva.. o perdão não e decide, conquista-se no dia a dia quando percebes que já não estás dorida.. mas para deixares de estar dorida tens de perdoar... e entras numa pescadinha de rabo na boca imensa, em saber como resolver a questão... mas no fundo, no fundo, o segredo está todo no tempo... beijos