sábado, 23 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Amizades: Sofás e outras peças de mobiliário
Nos últimos anos têm sido muitas as despedidas que tenho feito aos amigos que se cruzaram comigo pelo caminho. Toda a pompa e circunstância, de jantares e malas e aeroportos de uma maneira ou de outra já me são familiares. Mudam os destinos e a extensão temporal mas lá vai mais um para fora durante 6 meses, um ano, quatro, cinco, volto talvez em 2012 depois dos Jogos Olimpicos, ou nunca quem sabe. Paris, Berlim, Praga, Londres, Moçambique, Austrália, Noruega, Bruxelas, Angola, Singapura, Argentina, Brasil, perdi a conta ao pessoal que conheço que nos últimos tempos se espalhou pelo mundo, muitos deles nem sei bem onde param neste preciso momento. Uns hão-de voltar um dia, muitos só para poderem partir outra vez.
Ora neste seguimento, a amizade é uma concepção estranha, que constantemente provoca sentimentos contraditórios. A velha máxima do "fico tão feliz por ti" nem sempre soa a sincero quando as prioridades das vidas se vão alterando, a ritmos diferentes de parte a parte, quando um lado começa a ter menos tempo que o outro, principalmente aproximando-se as horas das despedidas.
Era tudo muito mais simples quando andavamos todos na escola, quando os nossos amigos eram os 30 da nossa turma, com quem estavamos todos os dias e de quem iriamos ser amigos para o resto da vida. Crescer é demolidor de todos esses castelos que se criaram aos longo dos anos, o tempo arrasa com esses laços, porque as vivências passam a ser outras, os interesses outros, o circulo ao mesmo tempo que se alarga pelas novas pessoas que se conhece restringe-se e muda de centro. Porque passamos a ter noção do tempo e do pouco tempo que há para fazer o que tem de ser feito, e começamos a visitar menos os lugares que deixamos de fora do circulo. Torna-se complicado gerir idealmente todos aqueles que queremos de alguma forma guardar, que seja, por disparidades de horários, de moradas, de hemisférios. E as partes desiquilibram-se, acusam-se e o que a distância não destroi começa a ser corroido pelo sentimento de abandono e de mágoa.
O truque é encontrar um ponto de equilibrio e ao mesmo perceber que não conseguimos guardar todos aqueles que passaram pela nossa vida e que mesmo os que queremos guardar têm alturas em que estão mais próximos de nós que outras.
O meu Sábado foi de reencontros.
O plano original era trocar dois dedos de conversa entre três garfadas de comida, com uma soon-to-be geneviense, em jeito de preparação para a verdadeira despedida rumo à aventura de 4 anos de douturamento. Voltar ao lugar de sempre, ouvir-lhe os medos e os sonhos, planear o auxilio na instalação. A amiga da minha irmã que ficou minha amiga também, companheira de férias e festivais e noites e que foi a primeira a ficar elástica com o passar do tempo. Passam meses que não a vejo, que não bebemos um copo ou um café. Até que de repente surge a ideia num momento qualquer e é como se ontem tivessemos vindo do Sudoeste e ainda estivessemos a cuspir pó.
Mas eis que de repente na mesa de trás do restaurante, vejo uma cara conhecida dos tempos em que ainda usavamos saias de pregas e colans com flores, faziamos herbários aldrabados e andavamos de sobre-e-desce. Tinham passado 10 anos e encontravamo-nos ali, onde provavelmente fizémos o último jantar de turma. A conversa contudo já não era bem a mesma, porque dos 14 aos 24 tudo mudou em nós. Mas não há motivos para ter pena, era inevitável.
Comecei a pensar que efectivamente, trago pouca gente desse tempo comigo, mas são acasos da vida. Os que trago de mais longe, cruzaram-se comigo já só no secundário, mas preenchem a necessidade que é suposto ser levada a cabo por aqueles que conhecemos na infância.
É importante manter pessoas que nos conheceram quando ainda não eramos nós, que cresceram connosco, que além do fundo da nossa alma conhecem também as paredes, porque ajudaram-nos a contrui-las.
Para essas pessoas que são 3 tirei uma hora antes do jantar. Por mera coincidência, sem adivinhar que iria ter um reencontro com o passado umas horas depois. Mas foi o que bastou para, perante aquela road trip down memory lane, não me sentir afundada em nostalgia, e sentir que tudo é efémero e passageiro na nossa vida e que todos os que se cruzam na nossa vida, estão condenados a desaparecer, mais cedo ou mais tarde.
É um facto que não os vejo todos os dias, nem mesmo todos os meses. A maior parte das vezes é um martirio para conseguir combinar qualquer coisa. Mas são o meu sofá. Por muito atarefada que seja a minha vida, por muito que só pare em casa para comer em pé e dormir na cama, lá está ele, no melhor canto da casa. E eu sei que de cada vez que me for sentar, vai ser como da primeira vez e não me vou querer levantar.
Ora resumindo, concluindo e baralhando, são essas amizades/peças de mobiliário que se querem guardadas. Aquelas que já nos aceitaram como somos, depois de anos de conflito sobre defeitos e feitios. Aquelas que reconhecem que o que temos de mau é o revés do que temos de bom e é isso que nos faz bonitos. O paralelismo, a simetria. Um não vem sem o outro e é mesmo assim.
Essa aceitação engloba mudanças geográficas e de fusos horários dentro do próprio país. Já percorri esse caminho com eles e com ela, e por isso tenho a certeza que nos guardamos mutuamente. Aquele capuccino ao som da chuva virados para Belém e mais tarde a conversa durante o jantar valem ouro na minha vida.
E tudo isto se aplica também a um sorriso durante uns minutos à porta da Igreja, entre novidades de apertar o coração, também debaixo de chuva. É com ele que eu também pinto o meu sofá, mesmo que a tinta tenha de ser importada, no próximo ano, de Moçambique.
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