domingo, 28 de junho de 2009

Fim de tarde

- "Há dias em que não sinto nada" - diz ela enquanto olha para as figuras pequeninas dos surfistas ao longe no mar. Está sozinha e deu por si a pensar alto. Ri-se. "Falar sozinha é o primeiro sinal de loucura", costumava alguém dizer-lhe.
- "Eu também não sou muito normal, por isso posso continuar a falar sozinha" - continua, divertida com a ideia.
O fim de tarde é perfeito. O sol ainda aquece o corpo, absorvido pela cor da t-shirt. Os pés descalços tocam na areia. "Sabe bem viver aqui para acabar as tardes assim", pensa.
Fecha os olhos. O corpo e a mente estão como que em maré vaza e a vida flui devagar. Estranho para esta época, mas foi isso que decidiu. Deixar a vida correr sem stress. Não pensar, no que falta, nos porquês, no consigo ou não consigo, no e depois. Porque é que não hei-de aproveitar esta fase de mudança que está a ocorrer na minha vida? Porque é que às vezes nem me apercebo que efectivamente algo está prestes a mudar?
- "Porque basicamente, vives ocupada a viver a vida dos outros e esqueces-te da tua!" - disse-lhe um amigo um dia. Ficou sem resposta.
- "Exagerado!" - balbuciou.
Touché!
Desde esse dia tomou a decisão de viver um dia de cada vez. Enjoy the ride while you're on it. Os dias sucedem-se da mesma forma e pela primeira vez a calma impera.
Mas há dias em que se sente muito, muito ao mesmo tempo. Fica confuso definir, encontrar a prateleira onde colocar as emoções. A calma requer organização, faz parte do plano.
"Lá estás tu com a mania dos planos", a voz da mãe a ecoar-lhe na cabeça.
Contudo, esse atabalhoado de sensações ultimamente tem-se revelado estranhamente claro. "O meu problema não são as emoções em demasia, é não gostar das prateleiras" pensa e sorri. Saudades da Filipa, mulher das prateleiras.
Voltou a ver aquele olhar, aquele sorriso, aquele sonho a cheirar a outro continente, aquela agitação. Fez parte dela, festejou do fundo da alma, sorriu com o coração. Estava feliz.
E devagarinho, o nó na garganta surgiu de novo (nunca se foi verdadeiramente embora...) num misto de orgulho e saudade, de inveja e admiração. Nostalgia. Porque o peito explode por quem queremos bem, por quem queremos demais, por quem não nos quer. "Porcaria de prateleira". Pequena demais para algo tão grande. Estática para algo em movimento.
Deixar o passado no passado. Viver o presente, não stressar com o futuro. Stick to the plan.
Não misturar, são vidas diferentes. Diferentes prateleiras.
"Um ano". E então? Também já passou quase um ano. Já passou quase um ano... Se virmos bem, até ultrapassa.
"Eu também mudei". Está a fazer-se tarde.
No outro dia teve uma epifania no autocarro. Se o presente é o resultado do passado e se a solidão nos prende ao chão, é porque se voou tão alto que a queda por si só nos fez quebrar as asas. Custa voar outra vez. Mas por outro lado, mais vale ter caído que nunca ter voado. O pensamento consolou-a.
Vai tudo correr bem.
- "Gosto de viver aqui", disse em voz baixa.
Inspirou, levantou-se e foi-se embora.


1 comentário:

Patricia disse...

minha querida.... escreveste exactamente o que sinto.... e sim mais vale voar e car do que nunca ter voado... o problema é de depois ficamos com esse sabor de frustração de não voltarmos a ver o mundo lá de cima e sentir a liberdade de quem voa... mas pronto.. podemos sempre ir fazer um tandem ali à escola de pára-quedismo.... e se descobrires como se voa de novo, leva-me contigo de passeio..
beijos